domingo, 29 de maio de 2011

O amante

"Ter um amante  é (...) ter o orgulho de possuir um segredo; (...) é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles os dois estarem no encanto do mistério; (...) é estar triste por ideais amorosos; (...) é a felicidade de andar melancólica no fundo de um cupé".

Eça de Queirós, Farpa LXXXV, in Uma Campanha Alegre

sexta-feira, 27 de maio de 2011

a vez dela

Nem sempre acreditava no amor. Achava que essas coisas só aconteciam aos outros. Custava-lhe sonhar com o seu próprio conto de fadas. Todos os dias acordava e pensava "hoje não vai ser o dia". Via os outros submersos nas suas telenovelas meio mexicanas, meio apaixonadas. Nunca pensava no dia em que alguém pudesse aparecer na sua vida. Era realista ao ponto de pensar que nenhuma alma se iria interessar por si. Mas.. Às vezes sonhava com o dia em que chocava no metro com "ele". De vez em quando acreditava que o interesse por si ia surgir. Tentava, por vezes, acreditar que esse alguém não iria ser intimidado pela sua timidez e iria lutar, lutar por ela. Pensava que, mais tarde ou mais cedo, "ele" iria aparecer, independentemente do seu passado, das suas antigas histórias de amor e de todos os seus defeitos. Algumas vezes, era invadida pela possibilidade de, num futuro mais próximo, ser a sua vez, a sua vez de ser "feliz". Aconteceu. Não esperava. Foi apanhada de surpresa. Se foi bom? Ela diz que sim. As coisas aconteceram como tinham de acontecer, sem ninguém esperar. Não foi o choque no metro, mas foi bom, muito bom. Agora? Agora vai aproveitando cada dia que passa, como se o tudo de hoje aniquilasse o nada de amanhã. Porque a vida é assim, e, tal como ela diz, quando menos esperamos coisas boas acontecem.

N.Vieira

sábado, 21 de maio de 2011

"Vozes e outras"

A cabeça que rodava. A voz que chamava. A perseguição constante que não a deixava ir. A crença no santo que a salvava de qualquer coisa. A biblia que não largava. A escova de dentes que servia para escovar o cabelo. A colher de sopa que ajudava a lavar o corpo. A rápida demonstração de afecto pelo pai. O ódio inesperado pelo pai anteriormente amado. A crítica à mãe. O choro de saudade da mãe que a abandonou. O "sim" seguido do "não" e do "talvez".  A vontade de ir para Milão amanhã, mas o medo de andar de avião de ontem. Começava perseguição do homem da esquina. Continuava o medo do homem da esquina . Já não saía de casa devido ao terror de ser raptada pelo homem da esquina. O mundo da Alice governava. O coelho da páscoa, o pai natal, o João Pestana, o Johny Bravo, todos eles ganhavam forma e viviam com ela no seu quarto, no seu espaço. Foi forçada a sair de casa. Obrigavam-na a ficar junto de outros, outros "iguais a ela". Tinha dias bons e dias maus. Chorava. Sentia falta do santo, da biblia, do coelho da páscoa e até do homem da esquina. Aos poucos passava. Hoje, sabe que é Joana e que sem os comprimidos não é Joana mas sim "a doida do 5º esquerdo". Quando passa na rua ainda ouve: "o que a esquizofrenia faz às pessoas"...

N.Vieira

quarta-feira, 18 de maio de 2011

turbilhão

O aperto no estômago. O frio na barriga. O arrepio no braço esquerdo. O sorriso parvo. O nariz enrugado. Os dedos dos pés entrelaçados. A mão com o ligeiro tremor. Os olhos fixados no mesmo ponto do horizonte. O sorriso envergonhado. O coração acelerado. A conversa nervosa. O diálogo infinito. A palavra que não quer sair. A ideia permanente. A mente que divaga. O sentimento de medo. A incerteza em arriscar. A vontade de tentar. O receio de falhar. A certeza constante. A tristeza momentânea. O ciclo do sentir. A verdade que persegue. A sinceridade necessária. A novidade maravilhosa. O eu que acredita. 
Tudo isto é real, tudo isto é agora, tudo isto é vida!

N.Vieira

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Um numa

Um momento num sopro. Um sopro num segundo. Um segundo na vida. Uma vida num dedo. Um dedo num corpo. Um corpo numa mesa. Uma mesa num lar. Um lar num mundo. Um mundo numa palma da mão. Uma palma da mão numa vontade de conseguir. Uma vontade de conseguir numa perda do medo. Uma perda do medo numa coragem inesperada. Uma coragem inesperada num dia de sol. Um dia de sol numa esplanada à beira-mar. Uma esplanada à beira-mar num acto de saudade. Um acto de saudade num tempo infinito. Um tempo infinito numa noção esquecida. Uma noção esquecida num querer verdadeiro. Um querer verdadeiro num acontecimento mágico. Um acontecimento mágico num sonho meu. Um sonho meu numa realidade possível. Uma realidade possível num olhar de esperança. Um olhar de esperança numa satisfação adquirida. Uma satisfação adquirida numa mente que divaga. Uma mente que divaga num ser inconformado. Um ser informado num eu que não desiste. 

N.Vieira

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Vergílio e a vida

"Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto imagináio de quem te lê.", Vergílio Ferreira
Porque a vida não tem qualquer sentido, mas também tem todo o sentido do mundo. Porque a vida é para ser vivida com intensidade, mas com calma. Porque na vida precisamos uns dos outros, ou porque na vida não precisamos de ninguém. Porque a vida traz muitas surpresas, ou porque a vida não traz absolutamente nada de novo. Porque para mim a vida é tudo, mas para ti a vida pode não ser nada. Mas a vida é a vida e não há nada que a mude.

N.Vieira