segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

permite-te

"Censuras-te demasiado", dizia-lhe a mãe.  Não era solução fingir algo que não se sente. Mas tentar apagar era sempre mais fácil. "Porque não te permites sentir o que quer que seja?", questionava a amiga. Infelizmente, ainda não foi inventada a máquina do "não sentir". Estava na sua hora. A única que se censurava era ela própria. Por isso, pára. Permite-te. Não te censures. Afinal de contas, somos todos assim.

N.Vieira

domingo, 26 de fevereiro de 2012

o mistério do cruzar de pernas


Cruzar as pernas já se tinha tornado um hábito seu. Talvez o fizesse para se sentir confortável. Talvez fosse um acto mais sensual. Ou talvez fosse uma acção de puro nervosismo. Gostava pouco de se sentir assim. Parecia que todo o mundo parava a contemplar aquele momento, como se tratasse de uma anormalidade. Mas, naquele instante não queria saber. O desconforto não vinha do cruzar de pernas. Eram demasiadas coisas, demasiadas pessoas. O mundo tinha-se tornado familiar. "E o que mais tem o mundo para oferecer?", era essa a questão que a invadia nos momentos de silêncio interior. Mas, estava bem. Agora sentia-se confortável consigo. O mistério do cruzar de pernas tinha sido desvendado. 

N.Vieira

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

a lua

Estava escuro, mas não tão escuro como antes. As horas tardias prolongavam-se na noite. A lua enchia o quarto. A cama parecia mais confortável do que nunca. O sono estava mais leve. Mas os sonhos eram melhores. Agora a noite não entristecia. A noite voltava ao início. A lua passava a dizer o que dizia inicialmente. O sol já podia entrar na manhã seguinte. A lua permitia a sua (re)entrada. Já não era tempo de estar zangada com o sol. 

N.Vieira

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

flechas

As palavras saíam como flechas. O seu destino estava errado. A sua direcção não era a mais acertada. Mas as flechas não paravam. À medida do tempo iam-se tornando cada vez mais intensas, mais cruéis. Talvez fosse mais fácil dizer a verdade assim. As palavras reflectiam o que no fundo era difícil. As flechas tornavam tudo mais rápido. O tempo era atravessado por lançamentos frios mas verdadeiros. Eram as flechas, e já nada as conseguia evitar.

N.Vieira

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

claridade

Claridade, era essa a palavra. Uma luz que tornava tudo mais nítido. Receio do negro? Já não. Naquele dia, o escuro tinha-se tornado o inimigo. A clareza era a companheira da viagem. Punha-se de lado o colorido em excesso. Procurava-se o branco eterno. Ansiava-se o claro puro. Medo do preto? Já não. Naquela hora, o branco anulava o preto. Tornava-se claro o objectivo. O branco domava a porta. O claro era agora o seu guardador de rebanhos. 

N.Vieira

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

diálogo injusto

"Não sejas injusto", disse ela, enquanto mexia no cabelo comprido e encaracolado. Injustiças ou não. Palavras mal entendidas. Frases mal construídas. Sentimentos trocados. Gritos que saem inesperadamente. Mãos que agarram o que não deve ser agarrado. "Porque é que interpretas tudo mal?", gritou ele, perturbado com a situação e preso a um sentimento que já não era dele. Uma interpretação mal feita. Um sim que é entendido como um não. O dizer que não equivale ao fazer. Olhos que transmitem o contrário. Um andar curvo que devia ser direito. "Injustiça ou não, má interpretação ou não, sinceramente não quero saber", diz ela, voltando naturalmente as costas.

N.Vieira

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

antónimos

Duas pessoas. Dois verdadeiros antónimos. Ela fazia bolos. Ele lia o Guardian. Ela fazia croché. Ele fumava cachimbo. Ela limpava o pó. Ele punha os pés em cima do sofá. Ela vestia Prada. Ele usava shorts. Ela usava usava verniz. Ele roía as unhas. Ela queria um filho. Ele tinha o que precisava, um cão. Ela lia Jane Austen. Ele mergulhava nos amores e dissabores de Nabokov. Ela chorava no escuro. Ele ria ao som de Britcom. Ela não estava bem. Ele não pensava, vivia. Ela queria terminar. Ele queria estar ali. Ela saiu. Ele agarrou no cachimbo e fumou.

N.Vieira

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

mão

Era forte. Queria ajudar. Estava disponível para mudar aquele mundo. Não queria atrapalhar as coisas. Apenas sentia que tinha de ali estar. Não tinha certeza de nada. Queria fazer por algo. Não precisava de falar, de dizer nada. Aliás, não sabia falar, nem o que dizer. Mas continuava decidida. Não ia sair dali. Estava intacta. Não deixava o resto desmoronar-se. Sabia apenas que queria estar ali. E estaria ali o tempo que fosse preciso. Era ela, a mão, e sabia exactamente o que fazer. 

N.Vieira

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"três dias"


"Desaparecer no vento, e acordar num outro instante, nó na imensidão do tempo"

sim, é verdade.

Sim, é verdade. As pessoas erram. Às vezes faz-se o que não se quer. Nem sempre se sabe dizer as coisas acertadas. Mas e depois? O importante não é a sinceridade? O importante é dizer aquilo que realmente é ou aquilo que se diz só porque se tem medo? Sim, é verdade. Não se tem sempre forças. Mas às vezes arranja-se. Quando se quer, faz-se por isso. O importante é ser-se quem é? O importante é mostrar o "eu" ou criar-se um "eu" só para agradar? Sim, é verdade. É difícil. Mas não quer dizer que por isso se tenha de desistir. Não se tem de aceitar nada só porque sim. Tem-se simplesmente de fazer por algo, por aquilo em que se acredita.

N.Vieira

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

vermelho de camelo

Adoro camelo. A forma como se projecta na palavras. A forma prática como que diz "gosto de ti". A forma simples como acalma. A forma como consegue mudar o "nosso" mundo. A forma rápida com que faz com que nos apaixonemos por "si". A forma verdadeira como faz boa música. A forma irregular como transforma o mundo. É tão simples como isto: adoro marcelo. E tal como ele diz: "Eu bem sei onde tudo vai parar, já não tenho medo do mundo, sou filho da eternidade".

N.Vieira