segunda-feira, 18 de março de 2013

o ritual

Lia uma frase. Parava. Pensava. Voltava a tentar ler outra frase. O mesmo processo acontecia. Tinha de parar. Pensar naquilo que o perturbava. Rever os passos na sua cabeça. Precisava de reflectir. Deitava-se com os pés encostados à parede. Fechava os olhos. Prestava atenção a cada letra da canção. Ficava ali durante horas. Levantava-se. Tentava continuar. Lia uma frase. Tinha de parar outra vez. A cara já estava novamente molhada. Deitava-se. Começava novamente o seu ritual. Podia ser que desta vez funcionasse.

N.Vieira

Mais amargo do que um limão

Saber que estás longe de mim é um sabor amargo. Não saber o que estás a fazer. Não ter ideia de onde andas. Não conseguir imaginar o que vês. Não conseguir perceber se estás de bom ou mau humor. Não ser capaz de te perguntar sobre o teu simples dia. Não é bom sentir-te distante de mim. É mais amargo do que um limão.

N.Vieira

quarta-feira, 6 de março de 2013

o seu romeu

Sentiu aquele aperto. Sentiu o seu coração. O bater era acelerado. Mais rápido do que alguma vez se tinha apercebido. Posou a mão sobre ele e ao invés de se assustar ficou feliz. Aquele era o sinal pelo qual tinha esperado. Era o sentimento de Pedro por Inês. Era a magia de Romeu e Julieta. Não teve medo. Deu-lhe um beijo. Prolongou-o. Deu-lhe a resposta do "para sempre". Virou-se para o lado e adormeceu. Mas hoje adormecia com a certeza de que tinha ali alguém. E não era um alguém qualquer. Era o seu Pedro, o seu Romeu..

N.Vieira

terça-feira, 5 de março de 2013

quatro paredes

Quatro paredes brancas. Era somente aquilo que via. Decidiu pegar nos lápis de cor. Queria construir ali a sua história. Queria deixar ali a sua marca. Da forma como queria construir um futuro com um outro alguém. Desenhava luas, sóis, flores e praias como sinónimo da sua felicidade. As nuvens, chuvas e trovões eram a semelhança com a sua tristeza. Construía a casa onde se imaginava a viver. Será que desenhava o cão? Será que no futuro ia querer esse cão? Não interessava, ia desenha-lo só para embelezar a coisa. Queria passar a imagem de perfeição que tanto é procurada pela humanidade. Queria fazer parte do grupo, mas também se queria distinguir do comum mortal. Por isso.. pegou na borracha e apagou tudo. Começou do zero. Agora este ia ser o seu desenho. Representante da realidade ou não, aquelas iam ser as suas quatro paredes e fazia delas o que quisesse. Desenhava aqueles que lhe faziam realmente falta. As quatro paredes podiam não ser reais agora, mas eram um esboço do futuro que queria para si. E o mais engraçado é que agora ia pintar só uma parede. As outras três eram pintadas à medida do tempo e das suas vontade. Afinal o futuro não se constrói num dia, mas sim todos os dias.

N.Vieira

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

sempre

"Quando disseste que virias comigo para onde fosse decidi mesmo que quero ficar contigo para sempre", foram estas as palavras que ficaram no seu ouvido. Foi para casa. Fechou-se no quarto. Deitou-se na cama. Começou a imaginar o seu futuro. Nunca o tinha feito, ou pelo menos, nunca o tinha feito com aquela intensidade. Talvez por ter medo de se desiludir ou por recear a verdade do seu destino. Imaginou-os aos dois. A passear por aquela cidade tão europeia. Os dois esboçavam o maior sorriso alguma vez visto. Na mão tinha o seu primeiro artigo ali publicado. Curiosamente, ou não, era sobre o trabalho dele. Viviam na mais bela casa do pedaço. Juntos ouviam música. Recordavam os primeiros tempos. Mas agora previam o futuro. O futuro a três, quatro ou cinco. A verdade é que o futuro a três já vinha a caminho, eram só mais cinco meses. E ficou ali deitada por várias horas. Imaginou tudo e nada. Permitiu-se acabar com o seu final feliz. Afinal no amor as coisas não têm de correr sempre mal. "E este sim é baseado na verdade", sussurrou-lhe ao ouvido.

N.Vieira

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

sol & lua

O sol nasceu. Logo a partir do seu nascimento diário sentia a imediata falta de algo. Mas tinha o seu trabalho para fazer. A iluminação de muitas outras vidas era uma constante obrigatória. Por mais que a sua noite tenha sido má, tinha de se levantar todos os dias e trabalhar. A culpa não era sua mas assim o destino o quis. Ao mesmo tempo a lua tinha-se ido deitar. Trabalhava no turno da noite. Enquanto a maioria das pessoas dormia ela tentava iluminar q.b. o resto das que por aí vadiavam. Sofria pela separação permanente ou pelos cinco breves minutos em que se cruzava com o sol. O reencontro tardio relembrava a paixão antiga e proibida. Mas, mais uma vez, foi o destino que ditou essa separação. O reencontro final e duradouro era quase impossível mas todos os dias se levantavam/deitavam a imaginá-lo. Por agora aquilo que lhes restava era a memória e o sentimento de estarem presos àquilo que um dia foi seu mas que já não o era. Era o destino e contra ele não podiam fazer nada.

N.Vieira

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

a previsão

"Posso entrar?". Foi esta a pergunta que antecedeu o seu toque na porta. Mesmo antes de ouvir a resposta decidiu entrar. Pôs um pé dentro da sala e ainda mais rápido decidiu pôr o segundo. Ela nem teve tempo de reagir, quando deu por si ele já lá estava. "Este sou eu", disse ele prontamente. O primeiro pensamento que  passou na cabeça dela foi "mas que raio faz esta pessoa aqui?". Não obteve a resposta tão rapidamente como queria. Ele pôs-se ali, diante dela e começou a descrever um filme, a contar uma história. Começou pelo momento em que se conheciam, em que ficavam perdidamente apaixonados e dependentes um do outro. Passou pelas fases das zangas, das discussões, das reconciliações e das ternuras. Mas esqueceu-se de referir os seus defeitos, talvez por mero acaso ou por pura intenção. Terminou com o clímax da história onde por mais que se amavam não conseguiam suportar a presença um do outro. Chegou à parte final onde ambos admitiam que mesmo gostando um do outro, gostar não chega. "E agora, queres ou não?", sem rodeios perguntou-lhe. Deitou-lhe as cartas na mesa e esperava o sim ou o não. Ela não acreditava na sinceridade e na previsão do seu futuro juntos. Custava-lhe a acreditar mas tinha de aceitar o seu destino. Abriu os olhos e... Não, ele não tinha feito a previsão. A sua imaginação dizia-lhe que tudo era mais fácil se ele assim o tivesse feito. Já sabia o que esperar ou não esperar. Evitava a desilusão. Antes ele o tivesse feito.

N.Vieira

domingo, 17 de fevereiro de 2013

o livro

Abriu o livro. Folheou as primeiras páginas. Relembrou aquilo que já tinha vindo e ido. Lia cada palavra como se lembrasse exactamente o que sentiu naquele momento. Sentia o mesmo aperto no coração que sentiu quando aconteceu. Brilhou de alegria quando percebeu que na altura também o fez. Caíram-lhe as pequenas partículas de água pelo rosto quando (re)viu o passado. Agora enfrentava novas folhas. Uma imensidão branca. Um livro por escrever. Palavras por dizer. Algo por sentir. Mas o medo era o mesmo. O mesmo que se apoderou de si no dia em que o abriu pela primeira vez. Apesar das mudanças continuava o mesmo. Conhecia melhor o seu interior. Sabia como agir consigo mesmo.  Faltava a coragem. Aquela que arranjava depois de muito esforço. Aquela que só dependia de si. Pegou na caneta. "Cá estou eu de novo". 

N.Vieira

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

blush injusto

Lambia os lábios. Passava o batom. Apertava as bochechas como blush natural. Estava pronta para sair de casa. Só esperava que o telemóvel tocasse com a permissão para o fazer. Esperou uma hora, duas horas. Para além dos minutos passarem, as horas também passavam. Sabia perfeitamente a razão do atraso. Queria compreender. Fazia de tudo para não ser injusta. Ouvia as razões. Inventava ela as suas próprias desculpas para continuar zangada. Sabia que já estava na hora de deixar aquilo passar. Mas queria que aquilo fosse lembrado nos próximos tempos. Por isso, deixava-se zangada. Queria sentir-se assim no seu próprio aborrecimento. Estava a ser injusta, é verdade. Mas quem não o é no amor? 

N.Vieira