sexta-feira, 30 de março de 2012

ia nessa

A voz de Monte enchia a sala. O sol entrava pela sua janela favorita. Os seus pés tocavam o chão frio. Já sabia bem refrescar-se no mais gelado. A brisa quente trazia consigo boas andanças. O novo objectivo para além de traçado estava mais perto do que nunca. O país, as pessoas, o trabalho, tudo lhe parecia bem. Restava não se acobardar. Estava na hora de seguir com a sua palavra. Era o tempo de fazer por si e para si. Usualmente, tudo o que era novo lhe metia medo. Mas, desta vez, queria ter medo, precisava de ter medo. Ia arriscar. Ia sair. Ia nessa. 

N.Vieira

domingo, 25 de março de 2012

despida


Punha gentilmente um pé fora do alpendre. Seguidamente, arriscava pôr o outro pé. O resto do corpo vinha por arraste, por acréscimo. A brisa estava mais quente, mais primaveril. Os olhos abriam-se suavemente. Já não sentia o dia assim há tempo. A boca abria-se a saborear o fresco, o novo ar. A pele ia-se arrepiando, tornando-se mais sensível. Abria os braços. Abraçava aquele dia, aquela hora. Despida, ali estava, a contemplar o nada, o tudo. Não queria saber se estava nua. Assim sentia mais, vivia mais. 

N.Vieira

terça-feira, 20 de março de 2012

a não insónia

Duas e vinte e sete. Da manhã. Esta não é uma insónia de preocupação. Não é a falta de sono por medo de algo. Esta é a forma de aproveitar o tudo. A mais verdadeira tentativa de interiorizar o mais ínfimo pormenor. As horas não se querem a correr. Quer-se cada segundo, minuto. Os olhos, que custam a manter acordados, contemplam o plano. Aquele quadro estava a ser guardado na memória. A história estava a ser criada, inventada, mesmo ali. A noite tinha a testemunha. Não era uma madrugada em vão. Era a ânsia de esperar pela manhã. Duas e quarenta e três. Da manhã. A insónia continuava. A felicidade também.

N.Vieira



segunda-feira, 19 de março de 2012

subiu. desceu.

Subiu. Desceu. Decidiu arriscar. Queria pôr o pé fora da argola. Subiu. Desceu. Ainda não tinha a certeza. Continuava a medir demasiado as coisas. Subiu. Desceu. Achava que sim. Não tinha dúvida da sua certeza. Subiu. Desceu. Procurava a eterna resposta. Mesmo sabendo que era quase impossível obtê-la. Subiu. Desceu. Tinha terminado o ciclo anterior. Um novo havia começado. Subiu. Desceu. Mas desta vez ainda não tinha caído. Continuava de pé e firme. Subiu. Mas será que desceu?

N.Vieira

terça-feira, 6 de março de 2012

notas soltas

Três, dois, um. Foram esses os segundos de hesitação. O seu pai sempre disse que não era pessoa de pensar demasiado nas coisas. Queria seguir aquele exemplo. Estava na altura de parar com os "se's". Estava na altura de começar a agir. Não pelos outros ou por aquilo que o mundo lhe exigia. Mas, sim por si. Viajar. Conhecer mais. Viver melhor. Foram os três pontos que escreveu no bloco de notas soltas. Começava amanhã. 

N.Vieira

a cadeira

A cadeira era a mesma. Sempre. Preto, branco. Homem, mulher. Novo, velho. Todos passavam por si. Todos se sentavam. Todos a viam de forma diferente. Para uns era marcante. Para outros não passava de algo momentâneo. No dia em que se fechou ao mundo, partiu-se. Era sempre melhor conhecer mais para saber mais. Afinal de contas não passava de uma cadeira. Simplesmente.

N.Vieira

quinta-feira, 1 de março de 2012

tão simples quanto isso

Cruzava os dedos. Descruzava. Pensava uma vez. Pensava duas vezes. Não sabia como dizer. Mas tinha de o dizer. Já tinha ouvido que nada na vida era fácil. Mas, nunca pensou que isso se aplicasse a si. Voltava a cruzar os dedos. Voltava a descruzá-los. Voltava a pensar uma vez. Voltava a pensar duas vezes. A conclusão era sempre a mesma. Fez o melhor que pôde. Deu o melhor que podia dar. Já não se tratava mais de si. Tratava-se do destino. Tão simples quanto isso.

N.Vieira